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terça-feira, 6 de setembro de 2016

HISTÓRIA DE ESTAGIÁRIOS E APRENDIZES

fonte da foto: http://bibocaambiental.blogspot.com.br/2015/06/libelulas-belas-mas-assassinas-brutais.html

Eu não imaginei um dia sentir saudade da Melissa. Ou daquele nosso ocasional encontro na Vinte e Quatro de Maio, fundos da Galeria do Rock, quando há pouco ela havia saído da empresa. Talvez porque ainda não se formara a barreira de tempo entre nós. Melissa exalava doçura. Pele alva, cabelos escuros, olhos grandes e meigos. Se existe alguém que transmita expressão de bondade, esse alguém era ela. Após ouvir com atenção uma última frase de conversa, ela mantinha o sorriso e olhar fixo na gente. Jovem, suave, fala mansa e assertiva, pessoa nascida para nunca ofender. Seus últimos dias no trabalho, contudo, foram de faltas seguidas. Melissa desconsiderou o emprego e o curso no Senai, ambos atrelados. Mais tarde afirmou que não se interessava pelo diploma. Estava decidida a seguir outro caminho.

Na época beirou-me certa infelicidade. Largar algo próximo do final não me parecia boa ideia. Pelo tempo que ela investira no projeto, pelo título, mesmo sendo apenas papel, por uma trajetória que não ficaria oficialmente registrada. Outra vez o olhar de adulto interferindo num espírito livre. Pois a meu ver toda a história carregava um componente de desilusão. Desilusão adquirida no próprio ambiente de trabalho, insalubre demais para os puros. Por isso jamais me coloquei a ela com palavras.

As histórias de estagiários e aprendizes dentro da empresa são muitas. Em geral entram crus, aprendem com facilidade as tarefas, revelam aptidões, partem às vezes sendo lembrados pelas traquinagens malandras. De muitos, lamentamos o talento compulsoriamente desfeito pelo fim do contrato. De outros, a constatação de que um dia, como pássaros, estiveram próximos da gente.

Melissa, em meio à multidão daquele começo de noite, parecia feliz em me ver. Contou-me sobre as novidades, talvez um emprego à vista, talvez outra coisa, qualquer possibilidade para a pessoa agora sem vínculos. E embora sem pressa ela mantivesse o sorriso de sempre, chegou a hora da inevitável despedida. Melissa, feito uma libélula, partiu por entre os transeuntes da Vinte e Quatro de Maio, deixando em mim a eterna sensação de que fui eu que a abandonei.

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