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domingo, 18 de setembro de 2016

DOMINGOS MONTAGNER E DAQUILO QUE NOS OCUPAMOS

fonte da imagem: http://mdemulher.abril.com.br/famosos-e-tv/claudia/famosos-lamentam-a-morte-de-domingos-montagner

A morte ronda a vida. E nos surpreende quando sai da sua invisibilidade. Embora vida e morte pareçam as maiores forças antagônicas, ambas trabalham em conjunto. Ali estarão, o tempo inteiro, interligadas e cúmplices. 

Ontem, manhã de sábado, ocupei-me pela TV do velório do ator Domingos Montagner. Eu precisava sair para fazer compra, mas enredei-me no ritual: absorver e processar a notícia, certificar-me do desfecho. É um processo parecido com o que enfrento na morte de parentes e pessoas próximas. Mesmo não sendo telespectador de novelas, cheguei a acompanhar o trabalho do ator em "Sete Vidas". Na época fui cooptado pelo texto, também pelas interpretações e direção de elenco. A trama, de âmbito familiar, presenteou-me com personagens como velhos conhecidos. E foi essa morte tão abrupta, de alguém cuja simplicidade ia sendo exaltada nos depoimentos, que causou em mim a necessidade de uma reflexão.

Em geral a morte traz à tona o legado da pessoa: quem foi, o que fez, o que deixou. Se o conjunto da obra é bom, belas histórias ecoarão da boca de terceiros. Medonhamente, porém, existem pessoas que se ocupam em criar histórias a respeito de si mesmo. Falo dos mentirosos, e corruptos, e políticos. Aqui no Brasil não faltam. Vangloriam-se com os próprios feitos, exibem-se sem culpa, desqualificam os trabalhos honestos. Fincam o pé na mentira, a despeito de evidências, para transformá-la em verdade pela repetição.

Sobre o falecido Domingos Montagner, cujas qualidades ninguém recebeu propina para propagá-las, cuja comoção da morte expressou-se com discrição, tudo soa verdadeiro. Como a dor da perda de um conhecido, um próximo na tela da sala de estar, sem arroubos, sem espalhafato. Que bom sempre pudéssemos avaliar pessoas, assim como a ele, somente olhando nos olhos. 

A morte ressalta a importância da continuidade da vida. Ontem pela manhã ocupei-me de um velório. Depois saí de casa para comprar apenas o necessário.

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