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sábado, 16 de março de 2019

CARTA A UMA DISSIDENTE

fonte da imagem: http://encantadorespoemas.blogspot.com/2010/11/dizendo-adeus.html




Para Sarita Palhoni de Souza



Cara amiga dissidente: ontem, sexta-feira, a caminho do trabalho, eu fui arrebatado numa carona pelo teu marido. Bom ser encontrado por pessoas que gostamos em lugares inimagináveis. Melhor ainda trocar um pensamento monótono por uma conversa carinhosa. Já me ocorreu ser arrebatado da mesma forma em outras ocasiões. Equivaleu a perder meu ilusório controle das coisas. Às vezes, quem nos encontra nem percebe que pode nos ter salvado do precipício.

Hoje em dia, amiga dissidente, ver você ou teu marido, separadamente, é sempre me lembrar do outro. Por isso ontem nos lembramos de você, e falamos de você pela primeira vez desde que você deixou de trabalhar comigo. No passado, quando era com o teu marido que eu trabalhava, quando apenas ele era meu amigo, e quando ocorria dele falar de você, eu não sabia bem quem era você. Depois, afastados eu e ele por contingência, quando passei a conviver com você, a conhecer você, foi que também o conheci de outras maneiras através de você.

Enfim, amiga dissidente, você se foi num dia em que eu não estava. E quando cheguei, mal absorvi. Bendita essa nossa função que amaldiçoadamente não nos deixa com tempo de pensar. No mínimo, de forma egoísta, ela nos lembra de que temos uma funcionária a menos para ajudar. Confesso que mais fiquei triste com a tua partida. Não que não deseje um lugar melhor para você. Mudanças têm seu próprio efeito. E nós -eu, você, teu marido- há tempos lidamos com despedidas diversas. Tantas ao longo dos anos que andei usando a própria engrenagem do trabalho como desculpa para não sentir as ausências.

A tua distância, no entanto, amiga dissidente, rebateu. Talvez por causa do teu jeito de ser. Eu já li em algum lugar que a canceriana transforma o ambiente de trabalho na sala de estar da sua casa. Essa sala me faz falta. É como perder um entendimento que é só teu. Alguma parte, amiga dissidente, de um lar. A tua saída também me fez refletir no quanto tenho estado aqui. Pessoas vêm e vão, e eu vou ficando. Não sei se tem a ver com ser forte ou fraco; sei que o tempo passa, nós passamos, a saudade deixa rastro, e alguém precisa escrever sobre isso.

Então, se tiver que ser eu, amiga dissidente, que seja eu.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

O RAPAZ DO "BOM DIA"

A imagem pode conter: 1 pessoa, em pé, criança, planta e atividades ao ar livre

Dizer bom dia para alguém e não receber resposta é uma merda. Literalmente me estraga o dia. Então entra aquela história de psicologia, de tentar entender o outro, e no final a gente liga o “foda-se” e na próxima vez já nem olha na cara da pessoa. Simples assim.

Por outro lado, existe um quê sacerdotal num bom dia sincero. É algo que começa dando cores ao dia. Tem um rapaz por quem passo quase toda manhã, chegando ao serviço, que sempre me dá bom dia. Não bastasse isso ele também me deseja um bom trabalho. É interessante perceber como ele quase interrompe a sua varrição de calçada para o cumprimento. Demonstra uma atenção que poucas vezes, de poucas pessoas, vi na vida. Esta semana perguntei-lhe o nome -Felipe- porque desejei tratá-lo com mais consideração. Então, à sombra das árvores de nossa rua, reparei num tanto de folhas que ele já havia amontoado. Ordem e harmonia. As folhas juntadas por partes potencializam o resultado da vassoura. Assim como a quase imperceptível paradinha para o cumprimento demonstra a importância que a pessoa dele dá às pessoas.

Pode-se até dizer que um bom dia não é algo emergencial. No entanto, é fundamental. Bom dia é para agora. Nem para ontem, nem para amanhã. E nada do que qualquer um faça de bom para o outro poderá substituir o bom dia. Um bom dia é bom porque sempre começa. De minha parte, para o Felipe, cuja postura torna o meu desconfiado mundo mais humano, desejo, além de um bom dia e um bom trabalho, uma boa e feliz vida.