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domingo, 22 de julho de 2018

RODA DE SAMBA



Olhando a foto parecem velhas amigas. Porém, acabaram de se conhecer. Uma me levou ao samba. A outra, sem querer me achou no samba. Coincidência e alegria. O samba, para quem gosta, tem dessas coisas. A que me levou quer saber quem é a outra. Vai logo perguntando e as duas engatam no requebro. É quase um desafio. Desafio cujo motivo se perde. Não há protagonismo numa roda de samba. Quem não toca, canta; quem não canta, batuca ou bate a mão. E há quem faça tudo.

Mesmo não assíduo, posso dizer que para o samba sempre fui levado. Talvez por reconhecer nele parte da minha identidade. Não gosto de samba por ser brasileiro, mas me sinto brasileiro também por gostar de samba.

“O samba, a prontidão e outras bossas são nossas coisas, são coisas nossas”, já dizia Noel Rosa.

Embora não tenha conhecido minhas amigas numa roda, eis que agora as observo juntas, improvavelmente juntas, na beleza do gingado. Coincidência ou não, o samba tem dessas coisas.

segunda-feira, 9 de julho de 2018

TENTATIVA DE SOLTAR O LULA

fonte da foto: http://liberapensado.com/2018/07/09/tentativa-de-soltar-ex-presidente-lula-divide-opinioes-em-fortaleza/

A tentativa frustrada ontem de um desembargador plantonista de soltar o ex-presidente Lula surpreende tanto pela desfaçatez quanto pela ousadia. Isso não é novidade no Brasil. Aqui nós temos dois tipos de males: o rasteiro e o sofisticado. Um alimenta o outro. E nenhum é menor do que o outro. Rasteiro é o bandido matar o cidadão com um tiro na cara a troco de nada. Sofisticado é o sujeito de formação -infiltrado em esferas de poder- facilitar, promover ou deliberar ações para grupos criminosos públicos e privados.

A “canetada” do desembargador, expedida em pleno domingo, contraria a afirmação da ministra do STF Cármen Lúcia de que a justiça deve ser impessoal. Foi uma atitude rasteira da sofisticação. Como afirmei antes, um mal corrobora o outro. E acho que todo mal tem sua raiz rasteira, às vezes com aparência inocente, mas que se agiganta conforme a intenção e o interesse vão agregando adeptos. Pelo o exposto na mídia esse desembargador não tem a competência nem a hierarquia para interferir num processo contra um réu já condenado em segunda instância. Porém, isso não significa que não possamos deparar com esse homem numa situação futura.

Enquanto estivemos distraídos com a eliminação do Brasil na Copa da Rússia na última sexta-feira, percebe-se que as articulações do mal seguem organizadas e fortes às nossas costas e custas. Não existe solução milagrosa para se barrar essa marcha, a não ser estarmos atentos aos nossos próprios sintomas de corrupção. E perguntarmos a nós: numa eleição política eu votaria em mim mesmo? A resposta seria o Brasil que queremos.

quarta-feira, 4 de julho de 2018

JUSTIÇA NO BRASIL

fonte da foto:https://pt.wikipedia.org/wiki/Supremo_Tribunal_Federal


Eu fico pensando a que se prestam certas figuras do Supremo Tribunal Federal que hoje em dia concedem habeas corpus para condenados políticos. Para mim, e talvez para muitos, o STF configura a última e maior esperança contra corruptos no Brasil. No entanto, quanto maior o crime e o acúmulo de dinheiro ilícito, melhor condição esses bandidos públicos têm de serem representados e defendidos. Não sou letrado em direito, e entendo que um ministro do Supremo agirá dentro da legalidade, mas e quanto ao mérito?

Na última quarta-feira o Bom Dia Brasil mostrou, entre outras, a história de um detento condenado por tentativa de furto que estava há onze anos preso. Sua pena tinha sido de dois anos. Ou seja, nove anos de cárcere injusto, como se ele cumprisse a mesma pena mais quatro vezes e meia. Um rapaz jovem ainda, maltratado pela prisão, que ao receber seu alvará de soltura chorou alegando não ter dinheiro para ir embora. E o repórter ainda o acompanhou a pé por um trecho na saída.

Repetindo o comentário de uma pessoa na internet, a desproporção de castigo aqui é gritante. E se não sabemos o que esse rapaz faria da sua vida se tivesse cumprido somente os seus dois anos de sentença, infelizmente podemos supor o que sustentará os corruptos libertados. O rapaz não matou nem agrediu sexualmente ninguém. Os corruptos, porém, de forma indireta, provocam mortes quando desviam dinheiro da saúde, promovem violência, inclusive a sexual, quando abocanham recursos sociais e da segurança pública.

É claro que quando pergunto “quanto ao mérito” lá em cima estou fazendo uma piada com relação ao nosso estado de direito. O rapaz franzino, ainda com o olhar perdido diante da inesperada liberdade, lamenta os anos perdidos na cadeia. Expressa, do seu jeito, a injustiça cabida aos pobres deste país. E ao repórter confidencia planos de fazer sua vida valer daqui para frente, junto da mãe. Os dois se despedem, o repórter fica e ele segue rumo à saída onde ninguém o espera.

Já um ex-político, solto também esses dias pelo habeas corpus concedido por ministro do STF, aparece numa foto furtiva, clicada antes de ele entrar no carro que o conduz para casa. Carro com a privacidade garantida pelo insulfilm.

quinta-feira, 8 de março de 2018

MORTE DO ESCRITOR

Uma nota discreta ontem à noite na internet chamou minha atenção. Anunciava a morte de um escritor de 29 anos, vencedor do prêmio Jabuti. Sem maiores informações, apenas que havia sido encontrado morto próximo ao prédio onde morava, em Copacabana, Rio de Janeiro.

Fui dormir perplexo com a notícia e povoado pela ausência de detalhes ou explicações. Tanto que sonhei, como se estivesse dentro de um filme, com uma cortina de segredos e ocultações em torno da notícia. Algo que minha mente precisava justificar: a morte de alguém produtivo, culturalmente produtivo, e tão novo. Uma pena. Não era somente um ser, mas uma voz que se calava.

Toda a discrição do mundo para a família dele, para os amigos, que, afinal, é um direito. No entanto, eu, como público, com a minha tola curiosidade, quero preencher uma lacuna. Não desejo que se dê para esta morte a visibilidade que se dá aos famosos ou aos feridos por bala perdida. Porém, gostaria que o episódio não figurasse numa usual indiferença. Afinal, trata-se de uma figura pública, um escritor, benfeitor, alguém que fez, de forma artística e organizada, dividir sentimentos e mundos. Um mundo, no momento, como as próprias palavras, de pesar e mistério. 

quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

OUTRA SÃO PAULO

fonte da foto: https://www.yelp.com.br/biz/hipermercado-andorinha-s%C3%A3o-paulo//foto de MARCO S.


Na última quinta-feira deste janeiro pairava uma bondade, digamos, em São Paulo. A brisa noturna meio de mar, ruas vazias, menor disputa por espaços. Até o Andorinha, supermercado em geral lotado por carrinhos, mostrava-se transitável. Na hora de embarcar no ônibus um rapaz ia dando passagem para todo mundo, inclusive para mim. Perguntou ainda se eu queria ajuda com as sacolas.

A percepção de uma realidade não exclui outras. Meios de comunicação pipocam as notícias ruins. A violência de cada dia é uma saga pública e privada. Alguns desses espíritos sórdidos e levianos, empenhados na discórdia, são presentes no meu local de trabalho. Ali diariamente se acotovelam no balcão.