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domingo, 31 de janeiro de 2010

FIM DE TARDE


O que fazer num sábado às seis da tarde, horário de verão, sol ainda gritando, quando justamente acabei de encontrar amigos num boteco de comida, de música e de outras faces? Bem, a pergunta fica no ar, sem resposta, porque de verdade parece que não sobra o que fazer e, paradoxo, ainda é cedo, ainda é dia. Corre-se o risco, então, de amargar um vazio, uma tristeza mesmo, pois todos se foram, eu mesmo me fui, e o espaço alargado das ruas acaba grande demais. Ir direto para casa não seria como chegar mais cedo, num sábado não há regras de horário. Num sábado à tarde, após bar e amigos, tem-se uma impressão de vida inacabada, das coisas que poderiam durar mais, de todas as coisas que ainda se pode fazer.

Então, fui caminhar. Da Barra Funda caminhei rumo ao Centro, que de tudo era um caminho possível para mim. E nessa caminhada uma ilusão ou esperança de que algo me tirasse do meu mísero lugar de alguém no mundo, somente alguém. No fundo eu sabia: na caminhada, em que o cenário vai mudando, e com a sorte de todas as intempéries da paisagem a qual a alma fica sujeita, toda a delícia do nosso encontro poderia extinguir-se. Não há como parar, não há sequer como estacionar em São Paulo, esta é a metrópole, este é o nosso temperamento.

Creio, no entanto, que percebi, relativamente percebi; despedir-se de amigos numa tarde de sábado, em que a noite sequer deu seu sinal, é justamente um aval de continuidade. O dia ou noite não têm que necessariamente acabar; a lembrança do calor não tem que necessariamente apagar. Mas a mobilidade do tempo, do imprevisto que não se controla, é o grande risco de quem (todos nós) tem a obrigação de somente viver. Despedir-se de amigos numa tarde de sábado deu, e dá, força para outras empreitadas, outras possibilidades se apenas caminharmos.

E não foi sem rumo nem sem direção que cheguei a algum lugar. Sim, cheguei. Nunca nos movemos à toa. Para perto do ponto de ônibus, para perto de alguma travessa, até mesmo para perto de um lugar que seja o avesso do local de encontro com amigos. Cheguei apenas sabendo que tinha chegado. E todo o rastro da minha caminhada, a princípio quase como desejo de distração, fixou-se junto com a tarde, junto com a lembrança de nosso encontro.

Das coisas mais simples guardadas, acredito que todo o segredo está em nós mesmos, na nossa capacidade de aglutinar. Não sei dizer o quanto no dia a dia, amigos, perdemos uns dos outros, mas tê-los em repentes, na expressão de seus risos, falas e ideias, parece-me fundamental. Nossos encontros, nas tardes ou noites, o quanto pudermos, até quando pudermos.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

POR QUE UM BLOG?



A Internet e suas infinitas maneiras de comunicar modificaram nosso universo de forma abrupta. Quem é maior de trinta anos, talvez um pouco menos, pode dizer. O salto entre a máquina de escrever e o micro equivaleu a trocar o tílburi pelo Hyundai da noite para o dia. E a variedade hoje de opções online, creio, às vezes como uma torre de Babel, já contempla a gregos e troianos: bem ou mal aproveitada, tornou-se um destino possível.
Tanto que, para começar, e com a intenção de responder à minha própria pergunta, fui pesquisar no google. O que é exatamente um blog? Bem, sendo breve: uma contração de weblog, e com definição não consensual de algo que foi página pessoal, passando a retratar opiniões, notícias, etc; tem a característica do cronológico, de diário virtual, daquilo no qual se acrescentam dados de forma periódica, e por aí vai.
Ora, num sentido literário, o blog parece se encaixar no que eu aprendi como sendo a crônica. A crônica fala do cotidiano; trata de assuntos breves; aproxima escritor e leitor; emite opiniões; é relato pessoal também; induz a reflexões atemporais; às vezes se desenvolve a partir de uma notícia de jornal; quanto mais praticada mais ensina, diverte, recupera; e amadurece com a própria escrita.
Mas por que um blog?
Após anos de trabalho com a escrita, resolvo arriscar. Durante minha época de convivência no Laboratório de Redação do Museu Lasar Segall, ler o próprio texto e ouvir o dos outros na sala trazia uma comodidade, digamos, impossível de ser desfrutada quando a gente produz sozinho. Ali, além de poder apresentar um trabalho recém saído do forno, as opiniões e propostas chegavam de pessoas que também lidavam com a escrita, conheciam as manhas e as manhãs, principalmente na questão estética e de estilo. Era uma referência de qualidade para todos, sem contar o trabalho de base da própria orientadora Áurea Rampazzo.
Porém, existe um lado da escrita que é o solitário. E não falo da solidão necessária à concentração para escrever, tampouco de uma suposta condição solitária de quem escreve; e daí não se saberia dizer quem nasce primeiro, se a pessoa solitária que vira escritor ou a escrita condicionando, ou sentenciando, o escritor à solidão. Falo, sim, de algo mais profundo, da teia que envolve a função da escrita. Os caminhos de difícil solução, as difíceis escolhas com as quais se depara quem escreve. Às vezes, solucionar um problema relacionado a determinada idéia num texto obriga quem escreve a constantes revisões de valores, e, dentro desses valores, a ser o mais coerente e honesto possível.
Em suma, desenvolver um blog, respondendo a mim mesmo, é uma tentativa de compartilhar de um jeito diferente o que já era compartilhado no Lasar Segall, além de tornar pública toda a esfera de segredo da palavra. Pois acredito, quando falo da condição solitária da escrita, que estou falando também da condição solitária da leitura, em que absorvemos matéria de um certo alimento de cultura e aconchego. Um leitor também se desenvolve na base de seus segredos e compreensões.
Assim, apresento-lhes o meu blog, que tem intenção e pretensão literária, agora disponível para todos. A todos os meus familiares e amigos, novos ou antigos, e aos que possam vir.

São Paulo, 07, 08/09/2009