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quarta-feira, 21 de setembro de 2016

VOLTA, JOVINO

fonte da imagem: http://www.panoramio.com/photo/86897967

A convocação anual para o curso de Brigada de Incêndio de cara me provoca antipatia.

Já no dia marcado, acordo mais cedo e sigo outro roteiro de transporte público. A caminho não tenho tempo de remoer mágoas. Brigada não foi minha escolha. E como não trabalho em local ou atividade de risco, o ano corre sem que eu me lembre ser brigadista. Cumprida a primeira etapa do trajeto, chego na Ponte Pequena, onde um micro-ônibus, à espera dos funcionários, nos fará ida e volta ao sítio.

Embarco, solto um "bom dia" a todos, alguns dos vinte e poucos passageiros respondem, vejo uma mãozinha estendida acima do encosto de um banco a me cumprimentar. Trata-se da Claudinha, funcionária do RH Norte da empresa, acompanhada e sorridente. Durante uma hora de percurso terei tempo de dormir ou de pensar em nada, esperando que o dia seja curto.

O roteiro é cumprido: chegada ao sítio, café, aula teórica, pausa de 10 minutos, aula teórica, almoço. À tarde, com roupas, botas e capacetes adequados, aula prática: manuseio de mangueira e extintores na simulação de incêndio, visita à casa da fumaça. E perto das quatro horas da tarde, com os certificados em mãos, já estamos no micro-ônibus de volta. 

É nessa hora que uma sensação de bem-estar toma conta de mim. A mesma que ocorreu no ano passado, quando fiquei mais atento a sinais. Não sei como explicá-la. Ela aparece como se toda a dificuldade imaginada tivesse uma prova em contrário: encontrar pessoas cuja maioria não conheço, quebrar o gelo no contato com o grupo, ouvir os mesmos ensinamentos do ano anterior. Mas sempre tem uma novidade, surge outra dúvida, a forma do professor de agora se expressar, o jeito dele conduzir a parte prática. Além disso, o contato quase imperceptível com a atmosfera do sítio: árvores, pássaros e formigas espalhados, algumas ladeiras e espaços verdes abertos. Um silêncio. Depois, no movimento da parte prática do curso, subindo e descendo escadas no escuro, apontando, em grupo, a mangueira para o fogo, um atestado de que o corpo é capaz de muita coisa. Já refestelado na poltrona do micro, o momento maior de descontração quando um colega do grupo, sentado atrás de mim, diz que até ele está interessado num tal de Jovino. Porque a frase "Volta, Jovino", ao longo de um muro extenso, aparece pichada várias vezes. E mesmo depois de outras curvas, outros muros, a frase continua aparecendo. Se foi amor ou obsessão, não sei.

Sei que ao chegarmos na Ponte Pequena, algumas pessoas se despedem, de mim e entre si, espalham-se para seus destinos. E eu, livre, ganho a imensidão da avenida Tiradentes.

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