HOUVE UMA ÉPOCA EM QUE TRABALHEI NUMA PORTARIA, E ALI ERA COMUM EU OUVIR AS HISTÓRIAS DO SEU CARLOS. UMA VEZ ELE ME CONTOU TER GOSTADO DE UMA MULHER MAIS NOVA. A PAIXÃO DUROU ANOS -O TEMPO EM QUE ELA TRABALHOU COM ELE- E UM POUCO MAIS. FOI A ÚNICA HISTÓRIA IMPOSSÍVEL QUE ESCUTEI DESSE HOMEM. EMBORA ELE SE EXPRESSASSE COM MODÉSTIA, SEMPRE PARECEU UM CARA PRÁTICO. CASARA, TIVERA FILHOS, DESCASARA, NENHUMA "ZICA" COM EX-ESPOSAS.
-EU NÃO TIVE TODAS AS MULHERES QUE QUIS, MAS TIVE MUITAS.
E, SORRINDO, COMPLETAVA:
-ALGUMAS ERAM FEIAS DE DOER.
COM A MAIS NOVA FOI DIFERENTE. ACOMETEU-SE NELE AQUILO QUE NÃO SE EXPLICA, ALGO QUE AO MESMO TEMPO IMPULSIONA E RETRAI A PESSOA QUE SENTE. ERA UMA MOÇA LINDA E ELE SE SENTIU COMO UM ADOLESCENTE DE QUINZE ANOS NO MOMENTO EM QUE FORAM APRESENTADOS. A MOÇA TRABALHARIA DIRETAMENTE COM ELE, QUE A TREINARIA. E SERIAM OITO HORAS DO DIA DELE, DE SEGUNDA A SEXTA-FEIRA, A CONVIVER COM UM SEGREDO E UMA ILUSÃO.
-QUANDO ISSO ACONTECE-ELE DIZIA-NO COMEÇO A GENTE ATÉ ESQUECE QUE TEM IDADE PRA SER PAI DA MENINA. DEPOIS, CAI NA REAL E SE SENTE RIDÍCULO.
EMBORA EU FOSSE NOVO E TOUPEIRA COM RELAÇÃO A ESSE TIPO DE HISTÓRIA, FIQUEI INTRIGADO SOBRE OS MOTIVOS DE O SEU CARLOS GOSTAR TANTO ASSIM DA TAL GAROTA. ELE RESPONDEU QUE ERA ALGO SUBJETIVO.
-VOCÊ INTUI QUE A PESSOA TEM UMA QUALIDADE, UM TRAÇO DE CARÁTER QUE TE ENCANTA, QUE VOCÊ VALORIZA. QUANDO O DIA A DIA SÓ FAZ CONFIRMAR ISSO DA PESSOA, ENTÃO O QUE VOCÊ SENTIU ERA DE VERDADE.
SOBRE A TAL MOÇA, ENTÃO: BELA, ESFORÇADA E AGRADECIDA. AGRADECIDA A SEU CARLOS POR CADA DETALHE APRENDIDO SOBRE O TRABALHO. ALÉM DISSO, CONSTRUÍRAM UMA AMIZADE PARA TROCAR EXPERIÊNCIAS EM MUITAS COISAS. MUITAS MENOS UMA: NENHUMA PALAVRA SOBRE RELACIONAMENTOS. ELE NÃO PERGUNTAVA, ELA NÃO DIZIA; ELA NÃO PERGUNTAVA, ELE FICAVA QUIETO. APENAS ESSE VÃO CONSTRUIU VÁRIAS E INFUNDADAS SUPOSIÇÕES SOBRE AMBOS. E NO ÍNTIMO NUNCA SOUBERAM QUEM ERA QUEM.
POR VÁRIAS VEZES SEU CARLOS AGARROU-SE À IDEIA DE QUE AQUILO 'IRIA PASSAR'. A ÚNICA COISA QUE PASSOU FOI O TEMPO.
-A BEM DA VERDADE-ELE CONTAVA-ELA NUNCA DEIXOU DE SORRIR. AQUELA DESGRAÇA DAQUELE SORRISO ME FAZIA BEM, AQUELE TROÇO ME ACENDIA TODAS AS MANHÃS. E EU CONVIVI COM ISSO SEM CONSEGUIR ME DESFAZER DESSA REDE. QUE EU NUNCA FALARIA DISSO COM ELA, EU TINHA CERTEZA. NÃO, NÃO FALARIA DE JEITO NENHUM. ATÉ QUE UM DIA ELA CHEGOU PRA MIM E ANUNCIOU QUE IRIA SAIR DA EMPRESA.
SEU CARLOS DESMORONOU. SENTIU AO MESMO TEMPO TRISTEZA E ALÍVIO. TINHAM SIDO CINCO ANOS DE APRISIONAMENTO. A BELA JUSTIFICOU TER QUE IR CUIDAR DA MÃE EM OUTRO ESTADO. FORAM MUITOS ABRAÇOS E BEIJOS NA SUA DESPEDIDA NA EMPRESA, BEIJOS TAMBÉM NA CARA DO SEU CARLOS. ATÉ QUE ELE SE ACHASSE SOZINHO EM SUA CASA, CHORANDO FEITO UMA CRIANÇA.
-EU PENSEI: AGORA ESQUEÇO DE VEZ-ELE SENTENCIAVA.
A ROTINA SEM ELA O DISTRAIRIA. FORAM MAIS TRÊS ANOS SEM QUALQUER NOTÍCIA DA BELA. ATÉ QUE ELE PRÓPRIO SAIU DA EMPRESA. TRÊS ANOS, SEGUNDO SEU CARLOS, E SEGUNDO QUALQUER UM DE NÓS, É DE VERDADE MUITO TEMPO PARA ALGUMAS COISAS. ACONTECE QUE MAIS DE UMA VEZ NO MUNDO AS PEDRAS SE ENCONTRARAM. COM ELE E A BELA FOI NA PRAÇA DA SÉ. ELA, A PRIMEIRA A VÊ-LO, A PRIMEIRA A SORRIR. A JOVEM, JÁ NÃO TÃO JOVEM, TINHA PERDIDO A MÃE E TIVERA UM FILHO. CASADA? NÃO. NA MESA DE UMA LANCHONETE OS DOIS CONVERSARAM SOBRE VÁRIOS ASSUNTOS. TÃO DIFERENTE E TÃO A MESMA PESSOA, O MESMO CARÁTER, A MESMA VOZ E ALMA, ALI ESTAVA A BELA COM SEU ENCANTO PERENE. SEU CARLOS, A PONTO DE DESFERIR UM GOLPE, QUE FOSSE ATÉ PARA CAUSAR ESPANTO NA MOÇA, TEVE O IMPULSO DE CONFESSAR SEU ANTIGO AMOR POR ELA. AGORA JÁ NÃO HAVIA BARREIRAS, NÃO HAVIA O TRABALHO, NÃO HAVIA AQUELE MEDO DE PERDER O QUE NUNCA TEVE. MAS ELE, ACOMETIDO PELO ANTIGO SENTIMENTO, TITUBEOU. E FOI BARRADO NO INSTANTE EM QUE, DA MESMA MANEIRA ANGELICAL, ELA SORRIU. A BELA DE NOVO SORRIU E DE SUPETÃO, SEM QUE SEU CARLOS JAMAIS ESPERASSE POR ISSO, PERGUNTOU:
-POR QUE VOCÊ NUNCA ME DISSE QUE GOSTAVA DE MIM?
BUZINAS DE CARROS, RONCOS DE MOTORES E UMA MANCHA DE FUMAÇA COM GAROA ENCERRAVAM AQUELA TARDE PAULISTANA. SEU CARLOS ME DISSE QUE NÃO SOUBE RESPONDER. QUANDO A DEIXOU NO PONTO DE ÔNIBUS, ABRAÇOS E BEIJOS SÓ NOS ROSTOS, FOI REALMENTE A ÚLTIMA VEZ QUE A VIU.
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