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segunda-feira, 8 de setembro de 2014

AMOR AOS PEDAÇOS

(fonte da foto:http://www.panoramio.com/photo/49874094)

Num futuro não muito distante.

O candidato à reeleição ao Governo do Estado de São Paulo não consegue ganhar. Quem se elege, pouco importa quem é, não consegue evitar o racionamento de água na cidade. Chega outro verão mais seco. E dá-lhe racionamento. Dia sim, dia não. Água a cada dez dias. A cada quinze. Vamos racionando tudo: limpeza, banhos, comida. A vegetação das ruas seca. Alimentos e suprimentos começam a vir de fora. Pessoas começam a ir embora. A água, então, torna-se suficiente apenas para beber. Pessoas continuam indo embora. A cidade esvazia. Não há mais pombos. Não há mais carros. Há, cada vez mais, menos pessoas. A cidade torna-se quase fantasma. Exceto pelos cães selvagens da noite. A água torna-se quase suficiente. Logo, suficiente. Logo, sobressalente. Logo, que foi longo, há muita água disponível. 

Assim, na Praça da Sé, um homem e uma mulher que nunca se viram começam a se banhar na fonte. Estão de olho um no outro. Aos poucos aproximam-se um do outro. Aos poucos se tocam. E ajudam-se com a água. Vão lavando o corpo um do outro, pé por pé, mão por mão, joelho por joelho. Quando terminam já não têm a mesma cor. Olham-se despidos com curiosidade. Anos de seca os mantiveram agasalhados no pretume da sujeira. É verão ainda. É sol forte. E os dois não sabem que à noite, nesta noite de perdão, um frio e uma garoa tomarão conta de São Paulo. E eles tomarão conta um do outro, aos poucos, aos pedaços, protegendo-se dos cães selvagens, até inteiramente.

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