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Eu sou um defensor de que a
rotina salva. Falo da rotina compulsória. Aquela que não tem como não ser cumprida.
Quantas vezes, depois de enterrar parentes ou amigos, eu tive que voltar a
atender clientes no trabalho? Lidar com necessidades e caprichos alheios nesses
momentos é tão surreal que anestesia. Nada bom. Mas paradoxalmente salvador. Talvez
porque a dor da perda seja tão grande, e o desejo de reflexão tão maior, que
não valha a pena lutar contra um mundinho de urgências corriqueiras. Vale sim, uma
vez ao ano, mandar os exigentes para junto dos mortos.
Outro tipo de rotina é a
escolhida. O mercado eleito. O caminho preferido para chegar até ele. Escolha
de utilidade, de comodidade, de afeto. Pode também ser a rotina mais difícil de
abrir mão, dado o conforto do previsível. Eu mesmo resisti a trocar de
supermercado. Achava que não encontraria pessoas tão educadas em outro. E a
distância até ele, então? Ideal para caminhadas. Uma extensão mais de retas do
que de curvas, que me dava ânimo, crença em mim mesmo, liberdade, alegria. A
adaptação ao novo, no entanto, foi instantânea: preços menores, melhor
qualidade. Funcionários simpáticos e amáveis estão em todo lugar, assim como os
demônios. Mas confesso: sinto saudades do antigo.
A rotina escolhida oferece opções
de mudança, assim como a rotina obrigatória permite adaptações. É como se o olhar,
antes voltado para a estrada, se desviasse para as curvas, esquinas, extensões,
enfim, em que um novo afeto se possa acomodar. Como esquecer aquele ponto de
referência, aquele colo no qual se deitava todas as noites, um amor estanque,
imaginário, platônico. Mas acho que agora já estou falando de outra coisa.
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