Páginas

sábado, 22 de dezembro de 2012

FELIZ NATAL (CONTO)



Ela esperava a visita do marido naquele natal.
Sentada no sofá, olhos fixos na porta, não sabia ao certo quando é que a chave, introduzida pelo lado de fora da casa, iria fazer a fechadura girar. Por instantes, tomada por um cansaço, chegou a cochilar. Mas ali, na situação em que se encontrava, era como se ouvisse uma sirene tocar de forma intermitente. Para cada cochilada vinha um acordar súbito, um novo estado de vigilância. A luz da lua entrava pela janela aberta, e um silêncio cada vez maior tomava conta da casa.
Passaram-se alguns minutos, talvez uma hora e meia, quando afinal o contato seco de chave na fechadura antecedeu os dois giros na lingueta. A porta foi escancarada e, antes de a luz ser acesa, surgiu a silhueta do marido no lado de fora. Tateando a parede, ele empurrou a mala com os pés, ao mesmo tempo em que, de forma investigativa, olhava para dentro do cômodo. Ao acender a luz, de cara avistou a mulher. Invadido por uma sensação ruim, fez uma expressão de quem acabava de ver um fantasma.
-Surpreso?-ela perguntou.
-Mas o quê...
-Calma, marido, muita calma! Acho melhor você sentar porque eu não tenho boas notícias.
-Cadê a Sofia? Vocês brigaram? O que você tá fazendo aqui?
-Uma coisa de cada vez. Eu não briguei com ninguém, nunca fui de briga. Apenas descobri quem era a tua amante.
-Desgraçada!
-Desgraçada, eu? Por acaso fui eu que abandonei você e nosso filho sem dar uma explicação? Por acaso fui eu que do nada sumi sem deixar pista, apenas com um bilhete ridículo dizendo que precisava ficar sozinha? Então é aqui na casa dela que você vinha ficar sozinho?
-Cadê ela? Cadê a Sofia?
-Cala a boca e pára de gritar. Eu já te falei pra você sentar. Não adianta, marido, pode subir e descer as escadas, pode vasculhar a casa inteira que você não vai achar ninguém aqui além de nós dois.
-Pelo amor de Deus, o que aconteceu aqui?
-Como assim: “o que aconteceu aqui”? Por acaso você tá enxergando alguma bagunça na casa, algum sinal de luta sangrenta, móveis quebrados, livros depenados? Ah, sim, entendi. Acho que talvez a casa esteja muito arrumada pelo o que era antes. É isso, marido? Sim, limpeza demais, arrumação demais...
-Cadê ela, cadê ela?
-Morreu.
-Assassina, assassi...
-Arf, não adianta querer me matar, larga do meu pescoço agora, você nem viu ainda o cadáver dela.
-E onde ela está? Sofia! Sofia!
-Enterrada. Não me olhe assim. Claro, marido, enterrada. Ela não morreu agora e nem hoje. Já faz uma semana. Você duvida? Olhe aqui o atestado de óbito. Pode conferir a data.
-Eu falei com ela, eu falei...
-Eu sei disso. Falou com ela há exatos nove dias. Depois deve ter ficado ocupado na tua viagem de negócio. E agora faz quatro dias que liga sem parar, deixa recado, ó, no celular, na secretária eletrônica e nada. Provavelmente nada no msn nem no face. Estranho, né?
-Você, você pegou os recados...
-Mais do que isso, marido. Alguns eu ouvi ao vivo, até me surpreendi com o teu repertório. Mas jamais iria atender, jamais iria te constranger.
-Eu não acredito em você. De quê ela morreu?
-Coração. Não tá vendo aí no atestado? É, infarto mesmo, coisa tão comum hoje em dia, né? As pessoas vivem muito estressadas.
-Por quê, por quê?
-Por que ela morreu do coração? Olhe, não sou eu quem escolhe a morte alheia, não tenho esse poder.
-Não! Por que você não me avisou?
-Deixe-me ver: porque eu não quis? Será por isso? Ou porque eu estava ocupada demais dando um apoio pra mãe dela, que ficou desorientada, precisando de uma ajuda nas questões burocráticas da liberação do corpo e do funeral? Ou será porque ninguém das redondezas ou parente da Sofia precisava saber que o último ‘namorado’ dela era justamente o meu marido-que fugiu sem deixar rastro e que, por ironia do destino, teria sido informado por mim mesma da morte dela?
-Você não a conhecia, não teve tempo de ter tanta intimidade.
-Eu estava no lugar certo na hora certa. Sabe quantas mulheres têm a felicidade de ver a amante do próprio marido despencar de uma escada e, puf, morrer? Basta isso pra se transformar numa recente amiga, ninguém sabia, ninguém desconfiaria, ninguém poderia dizer o contrário. Tanto que estou aqui, cuidando da casa, de todos os pertences, de todos os presentes que você deu a ela, enquanto resolvem a questão do inventário. Não é lindo?
-Você é louca.
-Louca, eu? Escute aqui, seu desgraçado, você vai ter tempo, muito tempo ainda pra se redimir comigo. Vai ter tempo de pensar no que fez. Vai ter tempo de se ajoelhar e pedir perdão pro nosso filho enquanto ele ainda tem idade pra perdoar. Três aninhos, o coração dele ainda é puro, vai esquecer que você esteve ausente.
-Quem disse que eu vou voltar pra você?
-Pra mim? Você vai é voltar pra casa. Sabe por quê? Porque agora a tua aventura apaixonante acabou, você não tem mais pra onde ir. Essa é a desvantagem, marido, de se fazer coisas escondido. Da próxima vez não se esqueça de contar pra uns dois amigos, teus e dela. Desculpe, dela não mais.
-Quero ficar sozinho.
-Pode ficar. Te dou cinco minutos lá no carro. Depois feche a porta e traga a chave, que a responsável pela casa agora sou eu. Ah, sim, feliz natal pra você.

O marido, que combinara nessa véspera estar ali com Sofia, olhou ao redor da sala, da escadaria, chegou a vislumbrar o sorriso da morta. Depois, acometido por uma vertigem, largou-se no sofá como se afundasse num abismo.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

FELIPE CARRIÇO PREFERE AS PROPAROXÍTONAS


OCORREU-ME QUE O FELIPE CARRIÇO PREFERE AS PROPAROXÍTONAS.
DAÍ ME PERGUNTEI O PORQUÊ. PELO FATO DE QUE, SEM EXCEÇÃO, TODAS SÃO ACENTUADAS? ACHO QUE NÃO.
NESTA ÉPOCA EM QUE VIVEMOS, ONDE MUITOS ALMEJAM O SUCESSO, A FAMA, QUEREM BOMBAR, ATERRORIZAR, ARREPIAR, GRANDE PARTE DO UNIVERSO DAS OXÍTONAS E PAROXÍTONAS PARECE CORROMPIDO PELA MEDIOCRIDADE E  PELA MESMICE.
JÁ COM AS PROPAROXÍTONAS OCORRE O CONTRÁRIO. ELAS SÃO, SIM, A PRÓPRIA EXCEÇÃO. MESMO UM PÚSTULA DE UM POLÍTICO SOA MELHOR DO QUE UM POLÍTICO CORRUPTO, FDP, LADRÃO. E QUANDO O PROPAROXÍTONO POTICO É HONESTO, ENTÃO É TOTAL EXCEÇÃO.
AS PROPAROXÍTONAS FREQUENTAM O UNIVERSO DA ELEGÂNCIA, JÁ REPARARAM? ELEGÂNCIA DE QUEM AS USA, MAS NEM SEMPRE DE QUEM SE FALA. 'AQUELA MULHER FRÍVOLA' EM VEZ DE 'MULHER MALA, CHATA, SEM NOÇÃO'. 'TIME TAL OBTEVE ÊXITO NO JOGO' EM VEZ DE 'ARREGAÇOU COM O ADVERSÁRIO'.
NO CASO DO FELIPE, PARECE QUE UM 'SÂNDALO' SURGIU POR AÍ COMO UM BÁLSAMO NA SUA VIDA, QUEM SABE SE PELO ÍMPETO DAS PALAVRAS OU PELOS PRÉSTIMOS DA NATUREZA 'CARRICIANA'. VERDADE É QUE, MESMO ÀS VEZES CÔNCAVO OU RECÔNDITO COM O UNIVERSO DAS REDES SOCIAS, ALGUNS RELÂMPAGOS, SSAROS E SICAS TRANSFORMAM O SEU REDOR.
E O CABRA, EMBORA UM PAROXÍTONO JURAMENTADO NO NOME E SOBRENOME, TEM LÁ SEUS DIAS DE PRÍNCIPE.