Minha geladeira não está nada bem.
Acordei hoje com ela tendo inúmeras paradas respiratórias. Liga e desliga ao mesmo tempo. Não consegue ficar ligada. Tenta de novo. Não tem forças. Ofegante e heroica vai tentando, mas parece vencida pelo cansaço. Eu fico na expectativa da hora em que ela parará de vez. No entanto, durante meu banho e meu café, ela se mantém obstinada. É um apego à vida. Não posso ajudá-la porque não sou médico de geladeira. E então saio abatido de casa para o trabalho.
Aos trinta e seis anos ela nunca teve nada. A única coisa que precisei fazer foi arrancar a sua placa de baixo. Tremia muito, fazia barulho forte mesmo eu calçando seus quatro pés. Não sei bem como se valora os anos de uma geladeira. Dizem quinze para os gatos, treze para os cães. Comento com o meu amigo Celso que Marilyn Monroe morreu aos trinta e seis anos. Ele rebate dizendo que ela era A geladeira. E se duvidar também fogão e airbag, mas esses dois sou eu quem diz. Minha sobrinha completa afirmando: "ela era a cozinha inteira".
Retorno do trabalho esperando o pior. E mais triste porque será inevitável substituí-la, pois não se vive sem geladeira. Entro em casa pesaroso, abro a sua porta para avistar o gelo desmilinguido. Nada disso. Estão nas formas e conservados no frio. E então ouço a respiração dela: talvez mais fraca, menos compassada, mas viva. Minha geladeira resistente e gelada por dentro.
Daqui para frente é viver um dia de cada vez.