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quarta-feira, 29 de junho de 2016

A FACE DA INOCÊNCIA

fonte da foto: http://www.contioutra.com/o-impossivel-carinho-num-transbordar-de-ternura/


Às vezes eu prefiro a ternura. É que tem sido fácil desconfiar de tudo: o mundo da maldade anda aqui e ali escancarado. 

Sexta-feira passada, início da noite, uma mulher com três crianças chegou no ponto de ônibus. Duas delas, menino e menina, eram bem pequenas. Estavam agasalhadas. A mulher as assentou no banco onde permaneceram comportadas e falantes. A terceira, garota de uns oito anos, ficava atenta ao lado das menores. Logo pensei comigo que essa, também sendo criança, talvez necessitasse de uma atenção maior. Há um encanto natural nas crianças menores e mais inocentes, assim como nos filhotes de animais. Diferente do encanto de uma criança mais madura, já com outra percepção do afeto ao seu redor. 

Essas ideias brotavam a partir do momento em que um homem sentado no banco elogiou as crianças e começou a trocar palavras com a mãe. Se eram filhos dela? Sim, os dois. A maior era vizinha. Vizinha ou sobrinha? Eu não entendi direito, mas qualquer que fosse o laço, reforçava uma condição secundária para a menina grande. Uma condição inerente a todos quando perdemos status para algo novo e mais viçoso. O homem revelou ser pai, quase chegou a tocar no garoto que, todo encapotado e durinho, os pés no ar, estava deslizando para fora do banco. A mãe cuidava de olhá-los e de observar se vinha o ônibus.

Uma desconfiança, até mesmo literária e não literal, de que o homem pudesse ser um molestador, não teve resposta até os instantes finais desta história. Ele, por um triz antes de chegar o ônibus, perguntou à mãe se podia fotografar as crianças. Ela assentiu. Eu também. Afinal, a mesma graça que ele estava achando nas crianças, eu estava; de outro jeito, a mesma percepção que daquele instante passageiro ao menos uma imagem pudesse ser guardada. Ele, então, da forma mais humilde, agachou-se em frente aos três, que fizeram pose, e depois mostrou-lhes a foto.

Com toda a clareza de que esse homem talvez não fosse aquilo que preferi acreditar, frente a uma mãe tranquila, quase desligada, optei pelo encanto final e pela certeza da segurança dos pequenos. A mãe anunciou o ônibus; as crianças, sem serem instruídas, disseram tchau ao homem, subiram felizes as escadas, o menorzinho no colo, uma confusão entre eles e a maleta. Depois, pela ordem, veio o ônibus do homem e em seguida o meu. Todos separados, em itinerários e destinos, segui calado com minha saudade.