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quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

PROCRASTINADOR, PORQUINHO, PECADOR

relogio-labirintoPorco a brincar
Fontes:
http://exame.abril.com.br/carreira/noticias/voce-e-um-procrastinador-ou-um-precrastinador
http://galeria.colorir.com/animais/a-quinta/porco-a-brincar-pintado-por-porquinho-254751.html
http://www.cosmovisaocrista.com/2013/01/deus-odeia-o-pecado-e-o-pecador.html


Eu já cometi o sacrilégio de afirmar que se você não mexe com a sujeira, ela não mexerá com você. Foi na crônica "Dica de Imundície". Hoje acredito estar curado. Uma mudança operou-se dentro de mim. Voltava eu da viagem de férias com parte do pensamento na casa e certo de que a encontraria em estado lastimável. Só de imaginar vinha o desgosto. A limpeza dela consumiria meus últimos dias de descanso.

Procrastinação é um pecado para se arrepender logo adiante. Por que não limpei? Porque se limpasse com frequência não precisaria agora morrer de limpar. A procrastinação perpetua o efeito da porquice. Não se quer ser porco, mas um adiamento induz a outros, e outros, até chegar num ponto irreversível. Vem o sentimento de incapacidade. "Não vou conseguir". E a única coisa que se faz é pecar mais.

Eu, confesso, fui contemplado com um milagre e uma atitude. Ao abrir a porta da sala assim que cheguei da viagem, deparei-me com a casa inteira limpa. Tinha sido minha mãe. Numa jornada de três dias, ela redimiu meu passado. Cerca de quinze dias depois fui praticar a manutenção. Menos sujeira no chão, limpa-se mais rápido. Menos poeira no móveis, limpa-se mais fácil. Assim a limpeza toda ficou em pouco mais de duas horas e meia.

Pensando melhor, acho que a minha cura significa "estar limpo" há um mês e meio, pois uma vez pecador não posso me gabar de ter alcançado imunidade total. Continuo achando o exercício da vassoura um saco, mas convicto de que viver na limpeza é muito melhor. 

sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

CARTÃO DE NATAL DA DENTISTA



Vira e mexe minha dentista dá motivo para que eu escreva sobre ela. Fico pensando nisso. Acho que já falei mais dela do que de qualquer outra pessoa. A culpa é dos contrastes. Embora bonita, de estrutura delicada, a doutora não tem nada de mulherzinha. Pesa a mão de vez em quando, dá suas gargalhadas, compactua com as minhas besteiras. Deve ter sido homem em outra encarnação. Expressa suas opiniões sem cerimônia e desfila assuntos um atrás do outro como qualquer mulher. Quem, ao vê-la, achar que se trata de mais uma dondoca dos Jardins, estará iludido. Vestida, maquiada e "escovada" com classe, vem a primeira impressão: fina. E é. Acontece que sabe descambar no humor e na franqueza de quem tira o jaleco. 

De mim com relação a ela, dois estados de espírito se aplicam: liberto e desarmado. Em muitas ocasiões, depois de sofrer na cadeira de tortura, saio do consultório achando que vale a pena viver, apesar de depenado no bolso e na boca. Sim, estou exagerando.

Hoje, dia de Natal, o motivo para falar da dentista é o cartão, via correio, que ela mandou. Tão em desuso quanto o disco vinil, quanto as gravações em fitas cassetes, esse cartão faz renascer uma delicadeza antiga. Antiga não pelo tempo decorrido da prática, mas porque as intenções incrustadas da era digital soam diferentes. Antiga por refazer a emoção do aguardo -tanto na ida como na vinda- de notícias, e a certeza de que a outra pessoa tocou no mesmo papel.  

Feliz Natal, doutora, com sua família, com seu filhinho lindo e figura. Que possamos sempre nos reencontrar para dividir levezas, ainda que os pesares da vida continuem a existir.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

SÍNDROME DE MÃE, FALSA MÃE

fonte da ilustração:http://www.deviantart.com/tag/coraline

Essa alcunha de 'mãe' que a empresa pública onde trabalho ainda ostenta é uma das coisas mais sinistras que eu presencio. Ninguém tem culpa pelo próprio apelido, mas, em se tratando de empresa, às vezes o nome corrobora o lado negativo. Como se a prerrogativa de 'mãe' avalizasse a perniciosa premissa: 'no fim tudo dá certo', não importando quem se lascou no caminho. Qualquer semelhança com processos políticos não é mera coincidência, já que ambas gestões caminham lado a lado e às vezes fazem parte uma da outra. Hoje a crise hídrica, também a política e a mundial, virou desculpa para tudo o que se deixa de fazer. Inclusive para aquilo que nunca se fez direito.

Eu, que trabalho no atendimento da área comercial há quinze anos, tenho a vivência e o meu ponto de vista. A empresa deixou de investir na área de atendimento, deixou de investir na própria imagem. Haja vista o quadro reduzido de atendentes, com a perspectiva clara de que 'não será reposto', e o estado geral das agências. Qualquer um que reporte a memória para aquele hospital, aquela padaria, aquele mercado de sua frequência, num período acima de 5 anos, lembrará de alguma reforma, pintura, mudança do mobiliário, do layout. É inadmissível que longarinas precisem chegar à corrosão para quem sabe serem trocadas. Não basta a propaganda institucional, da mídia impressa ou falada, as pessoas se lembrarão do que viram dentro de uma agência.

Pior do que tudo isso é o cliente que a 'mãe' criou  e cultivou ao longo dos anos: o inadimplente, cuja prática de reparcelamentos denota não uma dificuldade financeira e sim o hábito de não pagar; o desrespeitoso, que deseja se impor aos gritos porque percebe uma fragilidade no espaço físico e de vigilância da agência.

A verdade é que ao longo dos anos a empresa, que tem as suas áreas de receita, crédito e cobrança, que tem os seus setores de marketing, pouco ou nada realizou para que a relação entre clientes e funcionários do atendimento se estabelecesse de forma harmônica e respeitosa. E um dos maiores acintes, intencionais ou não, é quando se pede aos atendentes sugestões para melhorias no atendimento. Ora, qualquer empresa 'mãe' que se preze e enxergue seus setores como responsabilidade dela mesma, toma para si o gerenciamento dos problemas. E um atendente, que trabalha mais de seis horas por dia para vencer uma fila ininterrupta de clientes, muitas vezes treinando estagiários ao mesmo tempo, não deveria nem de longe ser assediado por essa ideia. Vale lembrar que a determinação de expandir o horário de atendimento para oito horas diárias, feita pela agência reguladora, não obrigou a empresa a redistribuir com decência em mais de um turno seus atendentes. Talvez isso a obrigasse a fazer novas contratações.

A crise hídrica, e outras crises, seja reflexo em uma empresa 'mãe' ou não, é oportunidade para reciclar, limpar e perfumar uma casa onde clientes tenham prazer em entrar. E que os funcionários, hoje surrados, não tenham olhos apenas para o fim do expediente.

domingo, 20 de dezembro de 2015

E DEPOIS

fonte da foto:www.funeralhome.com.br


E depois de cumprir o protocolo da morte fomos cada qual para sua casa. No dia seguinte eu já estava almoçando com uma amiga, numa conversa que durou horas. Então veio a segunda-feira e prossegui na semana: trabalhei, descansei, não tive como ir à missa de sétimo dia. Percebo que o tempo tem passado e, em meio a essa continuação obrigatória, viver agora é como lançar mão de subterfúgios. Ao mesmo tempo, vive-se também por querer, e eu quero.

A verdade é que o protocolo não terminou lá. Protocolo de morte não é formalidade nem obrigação. É uma parada necessária, um silêncio, uma contemplação. Momento de respeito à memória da pessoa mesmo enquanto os carros passam. Lembranças únicas, desacertos únicos, risadas únicas. Com outras pessoas seriam outras coisas. Por isso na casa dessas lembranças fica esse vazio. Como uma festa que acabou de acabar. E o salão, com sua ressaca e aromas, precisa ser organizado e limpo. Mas ali nunca se realizará outra festa igual.

O sobrado na Paulista onde meu amigo foi velado pareceu-me um último refúgio de conforto. Ali ele permaneceria por algumas horas. Certamente outros e distintos eventos, em diferentes décadas, ocorreram no casarão. Em seus cômodos amplos, com o pé direito alto, ou duplo, imaginei ouvir ecos de vozerio e risos do passado. Como se a gargalhada do próprio Airton se sobrepusesse ao pesar discreto da família e dos amigos.

Condolências, abraços em parentes, amigos, minha intimidade de anos com essas pessoas ressalta um dos méritos do Airton, o seu jeito de incluir a todos. Palavras com uns, com outros, o pensamento, no entanto, é solitário. Trata-se daquele momento em que ainda não somos capazes de estabelecer um passado para a pessoa, sequer um presente para nós mesmos.     

Partindo do velório, ganhamos a Paulista numa noite iluminada e triste. E eu agradeço à minha prima Luiziane e ao meu outro amigo Eduardo por cada instante em que estiveram comigo.