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domingo, 4 de outubro de 2015

UM DIA DE QUASE FÚRIA

fonte da foto:http://produto.mercadolivre.com.br/MLB-699485828-mangueira-jardim-expansivel-flexivel-magica-30-m-7-jatos-_JM

Não era bem eu. Ou era bem eu mesmo. A verdade é que acordei virado na macaca. Queria mandar todo mundo para o espaço, a começar pelo governador. Estava tão azedo que a primeira coisa que me veio à cabeça foi usar água em abundância.
-Dane-se o racionamento. Vou ligar a mangueira, vou dar um jeito nesse quintal, não tô nem aí. Até às duas da tarde, quando a água acabar, eu vou gastar o que posso e o que não posso.
Natália, a minha diarista, ficou só me olhando.
-Que venha a multa, eu pago. Pago satisfeito porque cansei dessa merreca de limpar pela metade. 
Convoquei Natália a me acompanhar:
-Eu vou com a mangueira e você com a vassoura, que eu te pago pra isso. A gente começa a gastança lá na garagem. Quero que a vizinhança toda veja. Se vier repórter ou alguém gravar no celular, melhor ainda. Não tenho medo da exposição. 

Quando se perde o bom senso depois da razão, caminha-se para o ridículo. Eu queria uma coisa espetacular, o registro da torneira todo aberto. Queria aquele jato de água limpando e desperdiçando, tudo ao mesmo tempo. Fui arrastando a mangueira e me posicionei no portão de entrada da casa. Começaria lavando a calçada. Gritei para a Natália:
-Vai, abre tudo. 
Esperei. O bom dessa espera é que quando o jato de água vem, vem rasgando.
-Vai, Natália, abre essa torneira. Tá com medo de quê?
Então o primeiro jato veio. Veio com pouca força e em seguida a água mingou.
-Cadê, Natália?
A diarista, naquele passo de quem vai dar uma má notícia, subiu as escadarias até o portão e anunciou:
-Não é hoje que o senhor vai poder esbanjar água.
-Por que não, Natália, o que acontece?
-A torneira tá aberta no talo. Não tem água, não. Desligaram mais cedo.

Imediatamente minha raiva mudou de foco. E eu fiquei louco de vontade de socar a diarista.